27.1.08

Frágil.

Seus olhos brilhavam hoje. Mais do que seus olhos de criança costumavam brilhar. Sob a ponta dos pés se esticava toda, apoiando seu queixo sob a mesa. Ela estava hipnotizada pelo embrulho dourado de fita vermelha. Ela sabia o que era. Todo mundo na casa sabia o que era. Até o Bartolomeu, o São Bernardo da sua mesma idade, sabia o que era. Nos últimos três meses não houve um dia sequer em que ela não sonhasse com aquela boneca. Não era daquelas que passavam no comercial da tv. Não era daquelas que suas amigas se gabavam colecionando o guarda-roupa inteiro de pecinhas minúsculas. Não era uma boneca qualquer e ela soube disso desde o primeiro instante que a viu.

O encontro se deu enquanto passeava com sua mãe durante uma tarde morna, foi quando passou pela vitrine de uma loja de artesanato e a viu, ou melhor, viram-se. Nunca na sua longa vida de seis anos tinha visto uma como ela. Era branquinha, de olhos pintados, pretos como os cabelos em tranças e bochechas rosadas. Linda. Ficou estatelada na calçada em profunda contemplação. A mãe prometeu. Ela esperou.

Quando finalmente entregaram-lhe o esperado presente ela mal podia conter-se. Abriu um largo sorriso junto com o pacote que se desfazia. Passou um longo minuto a admirando. Segurava com delicada devoção sua boneca, ainda não acreditava que ela estava ali em suas pequenas mãos. Uma cena bonita de se ver. Foi quando então, algum desavisado falou: - Que linda boneca de porcelana!

Seu coração parou de bater ao ouvir aquela palavra. Arregalou os olhos e suspendeu a respiração. “Porcelana. Porcelana. Como assim, porcelana?”
Lembrou do prato que caíra da parede e se espatifara no chão. Lembrou da xícara que rendera um bom ralho. Lembrou dos cacos espalhados e temeu. Temeu por sua boneca. Temeu por si mesma. Sua preciosa estava ameaçada por causa daquilo de que era feita.

Porcelana.

Deixou uma lágrima escapar e rolar grossa por seu rostinho redondo. Levantou-se devagar de entre os papéis rasgados. Por medo de quebrá-la pediu para colocarem seu novo presente na estante, da onde podia olhá-la em segurança, mas nunca a ter.