21.8.10

.Ensina-me a sabedoria.


Se você me faz percorrer todos os 297 quilômetros, como poderiam minhas lágrimas não correrem os poucos centímetros do meu rosto?
Como você nos seus 46cm pode ocupar um espaço tão grande no meu coração?
Como você, nas suas tão recentes horas de vida, pode mudar a minha tão permanentemente?

Diante do mistério que é revelado em você, eu sento e assisto.
Emudeço na majestosa soberania silenciosamente manifesta.
Como aprendiz inexperiente, solicito, ensina-me Sofia.

Eu não sabia o que era a beleza até ver você.



12.8.10

.Resistência.

Esses dias eu estava conversando com uns amigos que fazem kung fu (é impressão minha ou tá na moda?) e tem um lance esquisito lá de ficar batendo nos braços e nas mãos pra criar resistência. O pessoal estava compartilhando suas histórias de dor e hematomas e terminaram dizendo que ficaram mais fortes e então parou de doer. Isso me lembrou das minhas tentativas frustradas de aprender a tocar violão. Na primeira semana as pontas dos dedos da mão esquerda ficaram roxas, então formaram-se calos redondos e por fim, parou de doer. Lembro de ter ficado orgulhosa disso. Uma coisa que é bem valorizada na nossa sociedade é a noção de resistência. Você perseverar nas dificuldades até não mais serem dificuldades. Enfrentar a dor até não mais senti-la. Isso é o que diferencia os fortes dos demais. Até aí tudo bem, livros de auto-ajuda precisam vender e a idéia não é de todo ruim.
O nó da questão é que a mesma estratégia é usada pra evitar qualquer sofrimento na vida. Ficar calejado até que não seja mais capaz de sentir. Eu tenho muito medo da dessensibilização porque ela é extremamente sutil. Ela vem disfarçada na desculpa da pressa, das coisas pra fazer ou mesmo da macropolítica do sistema capitalista dominante. Ela se camufla no papinho do "eu não posso fazer nada pra mudar". No fim das contas, o que queremos mesmo é virar o rosto pro outro lado e seguir em frente. Cada vez que a dor do outro não me perturba mais, que a criança no sinal, o velhinho no ônibus ou o aleijado da esquina me passam desapercebidos, mais insensível eu sou. Um pouco mais pedra e menos carne no meu coração. Somos os mesmos discípulos água-com-açúcar perguntando a Jesus: "Mas Senhor, quem é o meu próximo?" Jesus pacientemente continua apontando para o bom Samaritano -que sabia muito bem quem era o próximo. O samaritano pouco preocupado com as conveniências sociais e frequentemente excluído delas. O samaritano provavelmente não estava considerando o homem na beira do caminho inferior, ele o olhou como igual, como próximo.


"Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão;

E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele;

E, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar.

Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?

E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira." Lucas 10:33-37

Eu quero a sensibilidade de um nervo exposto. Eu quero a compaixão que não há em mim.



7.8.10

.carbono X tungstênio.

Eu acho que o sonho de toda criança na alfabetização (agora "primeiro ano", nunca me acostumo com essas mudanças de nomenclatura) é escrever de caneta. Era o meu, pelo menos. Eu achava a coisa mais glamurosa escrever com uma caneta esferográfica, mais ainda, escrever rápido com uma caneta esferográfica. Aquele rastro de tinta sendo deixado sem precisar fazer força, a tampa da caneta charmosamente encaixada na parte de trás... Quando eu descobri que "esferográfica" era porque tinha uma esfera pequenininha que rolava e deixava a tinta sair foi que eu fascinei de vez. Eu era inconformada de não poder escrever no meu próprio caderno (daqueles molinhos, com capas coloridas e de uma matéria só- eu também queria um caderno de capa dura, mas deixo essa parte da conversa pra outra hora) com elas na escola. Tadinha da professora, agora eu vejo que era boa vontade dela pra não deixar a gente ter um caderno todo rasurado, afinal. Mas o ponto aqui é que há uma lógica que sustenta a proibição. Crianças pequenas devem usar o lápis grafite ao invés da caneta pelo simples fatos de que elas podem apagar. Diante dos nossos deslizes de iniciante o generoso grafite nos permite recomeçar de novo e de novo e mais uma vez.

Foi quando cresci que reconheci o valor do velho companheiro grafite (e nem me façam piadinhas com jogador de futebol que a copa já acabou). Minha lapiseira 0.7 2B- sempre favorecendo minha letra esquisita e permitindo que eu erre à vontade pra depois corrigir - e eu temos uma história juntas. Eu sou uma daquelas pessoas que sempre perguntam se pode usar grafite na hora da prova, só pra garantir. Mas, agora a proibição é reversa. Na maioria das vezes não pode. Isso porque a caneta sabe como é.. é mais permanente. E aqui chegamos ao ponto central desse post.

Quando eu criei o Rascunhos (como eu chamo esse blog, o nome é "os rascunhos sempre vão pro lixo?" como você já deve ter percebido) há 6 anos atrás, a idéia era poder compartilhar das coisas que eu penso e creio, das histórias que eu crio e das que me criaram, das minhas personagens inventadas e das personas reais que encontro por aí- como você também já deve ter percebido. Mas o que eu não sei se você percebeu também é a enorme insegurança e boa dose de autocrítica escondidas nesse título. Se eu mantenho as coisas que escrevo no status de "rascunho" eu não me responsabilizo pelo resultado final, não preciso me preocupar com nenhuma crítica porque veja só: é só um rascunho, eu posso fazer de novo! A garota que pensou nesse nome é aquela que ainda insiste no uso do grafite, aquela que evita assumir as rasuras da tinta.

Já faz algum tempo que eu tenho me deparado com essa inadequação. Minha relação com o que escrevo mudou, eu mudei. O que eu escrevo aqui e entrego a vocês em pequenas porções não são rascunhos, não são textos incompletos, me deixe confessar aqui. Mesmo considerando as falhas que existem neles, eu não seria capaz de alterar nada. Eles são como são porque são produto de quem eu sou. A obra que o Senhor tem realizado na minha vida me constrange com a Sua imutabilidade. O Senhor é bom e a sua misericórdia dura para sempre. Ele é eterno e me faz ver que sou eterna também, ainda que meus dias de peregrina nessa terra estejam contados. Davi no salmo 129 diz que " todos os meus dias foram escritos no teu livro quando nenhum deles havia ainda", assim como ele, eu estou maravilhada com o desenrolar da história que Deus escreveu para cada um de nós, com a narrativa que está sendo contada na qual somos nós os protagonistas. Eu não sei quanto a você, mas eu me rendi ao maravilhoso enredo do meu autor- porque sim, essa história você escolhe. Dito isso tudo, comunico a você fiel leitor- desrespeitado enormemente pela falta de continuidade das postagens- ou visitante perdido na internet que esse blog mudou. Sim, esse blog passou a se chamar "dias contados", não porque tenha se tornado um diarinho, mas porque eu quero compartilhar com você a viagem com um número limitado de dias, quero lhe contar o que acontece pelo caminho, quero lhe falar sobre as aventuras na estrada e das belas paisagens, mas, sobretudo, quero lhe falar sobre o destino final. Eu estou assumindo a caneta.

;)