30.12.10

.Novo.

Todo mundo comenta o quanto o ano passou rápido.
Todo mundo reclama do comércio nessa época.
Todo mundo planeja as resoluções de ano-novo: começar a dieta, fazer exercícios, concluir o curso, conseguir uma promoção, viajar.
Todo mundo veste branco e deseja felicitações.
Todo mundo canaliza a insistente esperançazinha que cada um silenciosamente carrega, para a mudança no calendário.
Todo mundo espera receber um ano-novo em branco, como página a ser escrita e inventada. Todo Mundo.
E quando penso nele- no mundo- constato a minha inadequação, o meu não-pertencimento, a minha estranheza. Antes por causa do idealismo juvenil, hoje pela minha natureza recriada. Não sou desse mundo porque não fui feita para ele. Não sou desse ano, porque sou eterna. Meu ano só pode ser novo porque minha vida também o é. Meu ano-novo começou no natal.

Sendo assim, aqui vai meu desejo pra 2011:
Que a mais extraordinária novidade já ouvida ecoe nos seus ouvidos, mente e coração. Que seja a boa nova a referência pra sua vida. Que você tenha uma vida nova.

:)






13.11.10

. Ao soldado desconhecido.

Depois de tantos meses naquele inferno ele já não reconhecia os sons. Já não se importava com os estrondos, não distinguia mais o cheiro da ração que lhe serviam ou do odor da decomposição ao seu redor. Não diferenciava cores- não havia cor além da tríade cinza, verde e marrom. Não reconhecia os próprios membros. Braços e pernas eram massas articuladas e doloridas. A saudade de casa era uma lembrança longínqua, turva. Começara a duvidar da veracidade de sua memória e se questionava se as imagens apagadas dos doces momentos que viveu não passavam de uma ilusão da sua mente cansada. Já não sabia o dia da semana, não sabia a aparência do seu rosto, não sabia se ainda era humano.

Mas era. Humano, quero dizer. Talvez fosse algo mais. Um daqueles homens dos quais o mundo não era digno. Não foi quando carregou o colega de infantaria nas costas pelos longos 37km pedregosos que provou isso. Não foi quando atravessou a perigosa linha fronteriça para resgatar o oficial bastardo que frequentemente o humilhava. Não foi quando cedeu o seu lugar no acampamento ao Stuart para que ele pudesse ficar perto da parede e dormir. Ele provou sua honra quando diante da chance de desertar, de abandonar o martírio e desistir, voltou. Sua honra- não orgulho ou patriotismo- sua honra não caberia numa medalha, ainda que ela fosse de honra ao mérito.
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29.10.10

.(der)rota.

Há quem diga que a vida é cheia de decepções. Você não foi o bebê mais fofo, a criança mais linda, o aluno mais aplicado. Talvez não tenha sido o filho mais disciplinado, o neto mais querido ou o sobrinho mais paparicado. Provavelmente não foi o adolescente mais popular que arrebanhava suspiros apaixonados por onde passava. Você pode nunca ter tido o carisma de conquistar milhões de amigos. Talvez nunca tenha sido o atleta excepcional que todos desejavam no time ou talvez não tenha passado nos primeiros lugares do curso sem status que escolheu cursar. É possível que não seja o profissional mais criativo, sempre elogiado pelo chefe. Talvez nunca tenha conseguido aquele emprego que paga bem. Você não foi o namorado perfeito, o marido dos sonhos ou o pai que qualquer um gostaria de ter. E assim você segue, se definindo por tudo o que poderia ter sido, mas nunca foi. Segue acumulando negações. Segue convicto de todas as decepções que causou pelo caminho inclusive aquelas que causou a você mesmo. Resignado, você aceita. Nem pra sofrer você é muito bom.

Você passou a vida inteira questionando suas habilidades, sua aparência e seu jeito. Viveu insatisfeito por nunca ter alcançado o sucesso que esperava, tentou entender porque era assim e muitas vezes se revoltou-contra seus pais, sua classe econômica, seu país e contra Deus. Você só não se perguntou de onde veio o modelo.

Você obviamente duvida muito de si mesmo, mas nunca duvidou do padrão. Nunca parou para pensar de onde veio a referência que usa para mensurar seu sucesso. Não refutou os critérios. Quando as contas deram tão errado, você nunca questionou a unidade de medida.

Só um encontro com o Criador é que poderia ter o colocado em perspectiva. Ninguém o conhece tanto quanto Ele. Ele o teria contado o propósito para que você foi criado, Ele o reconciliaria Consigo mesmo. O amor dEle substituiria os esquemas errados que você aprendeu nessa sociedade torta em que vive. Você seria algo mais do que um vencedor: seria curado.

Se fosse assim, você veria o bebê esperto, a criança simpática ou o filho querido que foi. Seria grato pelo amigo de infância que mantém até hoje. Teria reparado que a garota da última fileira tinha uma queda por você. Acreditaria quando elogiassem seus olhos bonitos ou sua voz afinada. Daria valor à habilidade que tem em contar histórias, consertar coisas e cultivar o jardim. Perceberia as contribuições que fez na empresa. Você iria reparar no olhar de admiração do seu filho e no quanto sua esposa o ama.

O pior fracassado é o que não consegue entender que já venceu.


18.10.10

.sobe?.

No elegante elevador revestido de granito e mármore, com um carpete no piso e espelho no fundo, a sua tranquilidade acompanhada pela bossa nova instrumental não se abala. Os botões sensíveis ao toque e o visor digital mostram o suave ascender pelos andares.
Do lado de fora da luxuosa cabine, porém, há uma realidade desconhecida. Os cabos enferrujados produzem estalidos e balançam perigosamente. A falta de revisão comprometeu a casa de máquinas e a estabilidade do engenhoso transporte está-literalmente-por um fio.

Não é a apresentação- por mais adorável que ela seja- que importa. Investir nela não resolve os problemas da estrutura. No fim das contas, eu quero estar a salvo com um sistema que funcione.

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"Mas todos nós somos como o leproso, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; e todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades como um vento nos arrebatam."Isaías 64:6

16.9.10

. Era uma casa muito engraçada.

Ela ouviu falar do fogo. Embora já tivesse passado muito tempo, ela ainda lembrava das palavras ditas como se tudo tivesse acontecido ontem. Todos haviam a ouvido também, mas cada um tinha sua própria desculpa para tê-la esquecido. Mas eu estou me adiantando, deixe-me explicar:

Todos haviam recebido um espaço no terreno do loteamento e, embora o alicerce já estivesse colocado quando chegaram lá, cabia a cada um erguer e concluir o seu próprio edifício. O design do projeto, os materiais usados e o tamanho da obra ficava a critério de cada um. A única condição é que haveria um prazo. O tempo foi passando, a empolgação inicial de ter sido contemplado com o terreno foi esfriando e como ninguém sabia ao certo quando esse prazo se esgotaria, as coisas foram ficando um pouco diferentes. Todo mundo passou a ser bem mais prático, afinal, é preciso ser versátil e moderno. A regra era ter o máximo de benefício com o menor esforço possível.

Apenas um deles agia absurdamente diferente. Ela não havia aderido ao movimento, não adotou o padrão, não seguiu o modelo. E as demais pessoas a julgavam, divididos entre os que a achavam uma louca obsessiva ou uma esnobe arrogante.

"Por que essa obsessão por ouro e pedras preciosas? "

"Quem ela pensa que é, rejeitando a madeira e a palha do armazém? Ela não sabe que estamos em crise?"

"Eu já disse pra você não ir brincar perto dali, menino!"

Ela continuava no seu minucioso trabalho.Trazia em suas mãos as marcas do intenso labor. Esquecera quantas vezes precisou vender tudo o que tinha para comprar mais uma pepita. Quantos dias e noites passara viajando, na região das minas, procurando por mais fragmentos e pedras brutas. Quantos excessos teve que abrir mão para economizar. Mas de uma coisa lembrava bem: o fogo. Provavelmente por trabalhar com ele todos os dias afim de lapidar e dar forma a sua edificação, ela aprendera a respeitar o fogo.

Então, quando o prazo finalmente se esgotou e o que parecia impossível aconteceu, todos puderam entender. O fogo veio. Em meio ao corre-corre e gritaria das pessoas tentando salvar seus pertences, ela sentou. O fogo que transformava tudo em volta em brazas e cinzas, apenas cintilava sua luz, irradiando por entre as pedras preciosas de sua casa. Ela fechou os olhos enquanto o brilho colorido dançava no seu rosto. Era lindo!


"Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele.

Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo.

E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas, madeira, feno, palha,

A obra de cada um se manifestará; na verdade o dia a declarará, porque pelo fogo será descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um.

Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão.

Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como pelo fogo.

Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?" 1Coríntios 3:10-16

21.8.10

.Ensina-me a sabedoria.


Se você me faz percorrer todos os 297 quilômetros, como poderiam minhas lágrimas não correrem os poucos centímetros do meu rosto?
Como você nos seus 46cm pode ocupar um espaço tão grande no meu coração?
Como você, nas suas tão recentes horas de vida, pode mudar a minha tão permanentemente?

Diante do mistério que é revelado em você, eu sento e assisto.
Emudeço na majestosa soberania silenciosamente manifesta.
Como aprendiz inexperiente, solicito, ensina-me Sofia.

Eu não sabia o que era a beleza até ver você.



12.8.10

.Resistência.

Esses dias eu estava conversando com uns amigos que fazem kung fu (é impressão minha ou tá na moda?) e tem um lance esquisito lá de ficar batendo nos braços e nas mãos pra criar resistência. O pessoal estava compartilhando suas histórias de dor e hematomas e terminaram dizendo que ficaram mais fortes e então parou de doer. Isso me lembrou das minhas tentativas frustradas de aprender a tocar violão. Na primeira semana as pontas dos dedos da mão esquerda ficaram roxas, então formaram-se calos redondos e por fim, parou de doer. Lembro de ter ficado orgulhosa disso. Uma coisa que é bem valorizada na nossa sociedade é a noção de resistência. Você perseverar nas dificuldades até não mais serem dificuldades. Enfrentar a dor até não mais senti-la. Isso é o que diferencia os fortes dos demais. Até aí tudo bem, livros de auto-ajuda precisam vender e a idéia não é de todo ruim.
O nó da questão é que a mesma estratégia é usada pra evitar qualquer sofrimento na vida. Ficar calejado até que não seja mais capaz de sentir. Eu tenho muito medo da dessensibilização porque ela é extremamente sutil. Ela vem disfarçada na desculpa da pressa, das coisas pra fazer ou mesmo da macropolítica do sistema capitalista dominante. Ela se camufla no papinho do "eu não posso fazer nada pra mudar". No fim das contas, o que queremos mesmo é virar o rosto pro outro lado e seguir em frente. Cada vez que a dor do outro não me perturba mais, que a criança no sinal, o velhinho no ônibus ou o aleijado da esquina me passam desapercebidos, mais insensível eu sou. Um pouco mais pedra e menos carne no meu coração. Somos os mesmos discípulos água-com-açúcar perguntando a Jesus: "Mas Senhor, quem é o meu próximo?" Jesus pacientemente continua apontando para o bom Samaritano -que sabia muito bem quem era o próximo. O samaritano pouco preocupado com as conveniências sociais e frequentemente excluído delas. O samaritano provavelmente não estava considerando o homem na beira do caminho inferior, ele o olhou como igual, como próximo.


"Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, moveu-se de íntima compaixão;

E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho; e, pondo-o sobre a sua cavalgadura, levou-o para uma estalagem, e cuidou dele;

E, partindo no outro dia, tirou dois dinheiros, e deu-os ao hospedeiro, e disse-lhe: Cuida dele; e tudo o que de mais gastares eu to pagarei quando voltar.

Qual, pois, destes três te parece que foi o próximo daquele que caiu nas mãos dos salteadores?

E ele disse: O que usou de misericórdia para com ele. Disse, pois, Jesus: Vai, e faze da mesma maneira." Lucas 10:33-37

Eu quero a sensibilidade de um nervo exposto. Eu quero a compaixão que não há em mim.



7.8.10

.carbono X tungstênio.

Eu acho que o sonho de toda criança na alfabetização (agora "primeiro ano", nunca me acostumo com essas mudanças de nomenclatura) é escrever de caneta. Era o meu, pelo menos. Eu achava a coisa mais glamurosa escrever com uma caneta esferográfica, mais ainda, escrever rápido com uma caneta esferográfica. Aquele rastro de tinta sendo deixado sem precisar fazer força, a tampa da caneta charmosamente encaixada na parte de trás... Quando eu descobri que "esferográfica" era porque tinha uma esfera pequenininha que rolava e deixava a tinta sair foi que eu fascinei de vez. Eu era inconformada de não poder escrever no meu próprio caderno (daqueles molinhos, com capas coloridas e de uma matéria só- eu também queria um caderno de capa dura, mas deixo essa parte da conversa pra outra hora) com elas na escola. Tadinha da professora, agora eu vejo que era boa vontade dela pra não deixar a gente ter um caderno todo rasurado, afinal. Mas o ponto aqui é que há uma lógica que sustenta a proibição. Crianças pequenas devem usar o lápis grafite ao invés da caneta pelo simples fatos de que elas podem apagar. Diante dos nossos deslizes de iniciante o generoso grafite nos permite recomeçar de novo e de novo e mais uma vez.

Foi quando cresci que reconheci o valor do velho companheiro grafite (e nem me façam piadinhas com jogador de futebol que a copa já acabou). Minha lapiseira 0.7 2B- sempre favorecendo minha letra esquisita e permitindo que eu erre à vontade pra depois corrigir - e eu temos uma história juntas. Eu sou uma daquelas pessoas que sempre perguntam se pode usar grafite na hora da prova, só pra garantir. Mas, agora a proibição é reversa. Na maioria das vezes não pode. Isso porque a caneta sabe como é.. é mais permanente. E aqui chegamos ao ponto central desse post.

Quando eu criei o Rascunhos (como eu chamo esse blog, o nome é "os rascunhos sempre vão pro lixo?" como você já deve ter percebido) há 6 anos atrás, a idéia era poder compartilhar das coisas que eu penso e creio, das histórias que eu crio e das que me criaram, das minhas personagens inventadas e das personas reais que encontro por aí- como você também já deve ter percebido. Mas o que eu não sei se você percebeu também é a enorme insegurança e boa dose de autocrítica escondidas nesse título. Se eu mantenho as coisas que escrevo no status de "rascunho" eu não me responsabilizo pelo resultado final, não preciso me preocupar com nenhuma crítica porque veja só: é só um rascunho, eu posso fazer de novo! A garota que pensou nesse nome é aquela que ainda insiste no uso do grafite, aquela que evita assumir as rasuras da tinta.

Já faz algum tempo que eu tenho me deparado com essa inadequação. Minha relação com o que escrevo mudou, eu mudei. O que eu escrevo aqui e entrego a vocês em pequenas porções não são rascunhos, não são textos incompletos, me deixe confessar aqui. Mesmo considerando as falhas que existem neles, eu não seria capaz de alterar nada. Eles são como são porque são produto de quem eu sou. A obra que o Senhor tem realizado na minha vida me constrange com a Sua imutabilidade. O Senhor é bom e a sua misericórdia dura para sempre. Ele é eterno e me faz ver que sou eterna também, ainda que meus dias de peregrina nessa terra estejam contados. Davi no salmo 129 diz que " todos os meus dias foram escritos no teu livro quando nenhum deles havia ainda", assim como ele, eu estou maravilhada com o desenrolar da história que Deus escreveu para cada um de nós, com a narrativa que está sendo contada na qual somos nós os protagonistas. Eu não sei quanto a você, mas eu me rendi ao maravilhoso enredo do meu autor- porque sim, essa história você escolhe. Dito isso tudo, comunico a você fiel leitor- desrespeitado enormemente pela falta de continuidade das postagens- ou visitante perdido na internet que esse blog mudou. Sim, esse blog passou a se chamar "dias contados", não porque tenha se tornado um diarinho, mas porque eu quero compartilhar com você a viagem com um número limitado de dias, quero lhe contar o que acontece pelo caminho, quero lhe falar sobre as aventuras na estrada e das belas paisagens, mas, sobretudo, quero lhe falar sobre o destino final. Eu estou assumindo a caneta.

;)

1.4.10

."Passagem".

Esses dias eu me peguei pensando sobre mudanças. Essa é uma reflexão que todo mundo já deve ter feito pelo menos uma vez na vida. Eu estive pensando no quanto eu mudei nos últimos anos, fiquei lembrando das coisas que eu falava, das opiniões que tinha e até do meu gosto. Mas o grande desafio mesmo é atribuir a que se deve essa mudança. Talvez eu possa atribuir à faculdade- e as pessoas com quem se convive lá, ou talvez ao amadurecimento natural que decorre com os anos (eu já não sou uma garotinha, afinal), mas a minha hipótese favorita é a de que eu estou sendo moldada. Como obra incompleta que sou, falta-me o acabamento.
Adoraria dizer que ocorreram apenas boas mudanças,(não sei se já confessei aqui, mas meu grande plano de vida é me tornar uma pessoa melhor) mas eu sei que perdi algumas coisas no caminho. Perdi coisas que não posso recuperar. Minha esperança é que eu possa ocupar o vazio que deixaram.
Pois bem, nesse clima de páscoa e reflexão, eu quero deixar um texto que uma menina escreveu tempos atrás. A data no blog dela é de 2005, salvo os problemas de redação, eu compartilho com a visão dela aqui:
"Quando pequena, essa era uma época bastante feliz. "Coelhinho da páscoa o que trazes pra mim? Um ovo, dois ovos, três ovos assim. Coelhinho da páscoa que cor eles são? Azul,amarelo e vermelho também...." A decoração dos supermercados e a seção de ovos de chocolate faziam com que eu ficasse bem excitada. No colégio, sempre tinha aqueles desenhos temáticos para pintar e máscara de coelho para fazer. E era só.
Eu cresci um pouco e alguém me disse que a páscoa era um dia triste. "Por quê?" (eu era um daquelas que sempre perguntava...) "Porque Cristo morreu pelos nossos pecados." "Hein?" Agora tinha que ser um momento de reflexão. Nada de carne vermelha. Os desenhos agora eram cinzentos e tinham uma cruz.
Hoje. Algum tempo se passou desde então. Não poderia deixar de dizer o que sinto. É um misto de puro júbilo com gratidão o que tenho aqui dentro. Uma alegria explode no meu coração! Não foi ningém que me falou. Não fui convecida. Não... Eu Creio!
Eu posso imaginar aquela fria manhã de domingo. Três mulheres caminham até o túmulo prestar o seu último favor. A escuridão paira no ar e a esperança se foi. As cenas da dor e sofrimento Dele passam com flashes em suas mentes. O luto e o pranto são como pesadas capas que as encobrem. "Ele se foi." Alguns passos mais adiante elas chegam ao destino. "O que é isso? A pedra foi removida?!" Tentam buscar uma explicação lógica para aquilo. "O levaram... roubaram-no..." Então lhes aparece o anjo. "Aquele a quem procuram não está mais dentre os mortos..." O que seria aquilo? Seria possível? "Quem é aqule homem ali? Algum jardineiro? Deve ter sido ele quem O levou!" Jesus olha para Maria Madalena. "Não pode ser..." "Maria!" "Mestre!!!" Posso sentir o turbilhão em seu coração. "Ele está vivo!!! VIVO!!!"
Minha vontade é fazer o mesmo que elas fizeram, sair gritando para o mundo todo ouvir: "Ele vive! Ele vive!" Jesus ressucitou! O sepulcro está vazio. Nem mesmo a morte foi capaz de detê-lo. Podem me chamar de fanática. Eu não me importo. Sou completamente apaixonada. Religião alguma, instituição humana alguma, filosofia alguma pode me dar o que eu tenho. EU O AMO! Ele me amou primeiro.
É isso. Estou imensamente feliz..."
Feliz Páscoa, pessoas. ;)

20.2.10

.Débora.

Mesmo depois das coisas incríveis que vimos cheias de histórias e tesouros secretos, a melhor surpresa ainda estava por vir. Não era um museu ou castelo antigo- em certas circunstâncias talvez pudesse ser chamada assim também- mas, era uma pessoa. Seus olhinhos apertados enquanto sorria e a vasta cabeleira branca deveriam tê-la denunciado, mas na hora nem imaginei que tipo de pessoa era ela. Eu era uma figurante, um arroz, sabe? Estava ali só acompanhando o grande encontro da minha avó com sua amiga que não via há muitos anos. Estava empregando a minha estratégia de falar só o necessário e sorrir simpaticamente enquanto observava quieta no meu lugar. Foi então que eu percebi. Sua casa com ares de refúgio, os porta-retratos espalhados pelos móveis, a família que ela exibia com orgulho. Mas foi quando olhei em seus olhos que vi. Aquele brilho misterioso de quem já viveu tantas coisas, as palavras ponderadas de quem encontrou a sabedoria, a paixão com que fala de sua fé.
Quando perguntada como se conservava tão ativa no auge de seus 85 anos, ela sorriu. São 85 anos de "juventude acumulada". Quando ela ergueu sua voz e a fez reverberar por toda a sala, não pude duvidar da canção que entoava : "Eu vejo Deus em toda parte sim, até dentro de mim, em todos os órgãos meus. Eu vejo Deus na imensidão do mar, aonde quer que eu vá, eu vejo Deus." Então, eu também pude ver. Nas doces despedidas nada mais puder dizer do que: obrigada.

1.2.10

.Travessia.

Com as passagens compradas, mala meticulosamente arrumada e relógio acertado, ela trazia aquela inigualável ansiedade pré-viagem. Você conhece a sensação. Aquele friozinho na barriga, aquela demora para as horas finalmente passarem... A mesma ansiedade de um garotinho que conta os dias até o esperado aniversário, ou de um funcionário que espera as férias. O fato é que ela estava ali, prestes a realizar seu grande sonho. Repassava pela milésima vez a lista de coisas a fazer antes de partir. As listas mentais que fazia só eram interrompidas pelas fantásticas imagens de seu destino. Tudo era tão lindo, cartões-postais não faziam justiça a beleza do lugar. Ela imaginava como seria conhecer todos aqueles lugares, visitar tudo aquilo de que apenas tinha ouvido falar- ficava cada vez mais animada e mal era capaz de se conter.
Anos mais tarde, quando perguntada como conseguiu suportar tanto tempo para finalmente chegar ao lugar dos seus sonhos, se os 40 anos esperando foram miseráveis como se supunha, ela respondeu:
"Oh, claro que não! A viagem se torna mais fácil quando você tem em vista o destino a que se dirige. Além do mais, a viagem me preparou para o que eu iria encontrar, desfrutei de paisagens incríveis pelo caminho, conheci companheiros de jornada e outros se juntaram a nós. Tudo isso só me fez ficar ainda mais maravilhada quando finalmente cheguei!"