30.12.11

. Amanhã.

Quando o ano virar, o mês acabar ou o dia nascer.
Quando a segunda vier, a grana aumentar ou o povo esquecer.
Quando o tempo sobrar e a folga chegar, então o que vai ser?


O tempo da procrastinação tem validade. Quando todas as desculpas acabam a única coisa que nos resta fazer é a dura tarefa de encarar os fatos. Vamos à eles:

- Um dígito mudado no final do ano não vai mudar sua vida.
- As coisas não vão acontecer simplesmente porque você as deseja.
-Resoluções de ano novo não duram.
- Roupas de baixo - por mais coloridas que sejam- não vão dar o tom do seu ano.

Que dia feliz quando me dei conta que a única tradição de ano novo que vale a pena manter é agradecer a Deus pelo ano que passou e entregá-Lo o próximo. Ele não está interessado nas promessas que não manterei, na boa vontade momentânea ou na minha caridade fajuta. Ele não se contenta com pouco, porque não me deu pouco. A única coisa com a qual Ele está realmente interessado é também o que tenho de mais precioso: meu coração.


"Existem coisas melhores adiante do que qualquer outra que deixamos para atrás." C. S. Lewis


20.9.11

. Fila.

Ao final do expediente, ela chega à agência do banco lotada.
Decide não se contaminar pelo clima de chateação e sorri.
Graceja com o garotinho entediado à sua frente.
Ajuda uma senhora com dificuldades no caixa eletrônico.
Guarda o lugar para um sujeito apressado que mal lhe pronunciou três palavras.
Entrega uma balinha de menta ao caixa e agradece sinceramente pelo atendimento prestado - ainda que este tenha demorado 57 minutos para acontecer.

Ela era esse tipo de pessoa incrível. Uma pena - de verdade- é que o fosse apenas em sua imaginação.

. We don't need another hero.

Sofria de covardia crônica. Um mal severo que o acometia desde a infância. Nunca rebateu um insulto, não revidava os tapas dos colegas e não lutava pelas figurinhas roubadas. Chegou a passar três horas de castigo por um delito que não cometeu, sem abrir a boca. Sua maior expressão de indignação foi arrumar as malas e fugir - para a sala!

Cresceu e os sintomas junto com ele. Fingia não ouvir as gozações na escola. Tornou-se um aluno dedicado porque não tinha coragem de tirar notas baixas. Não queria decepcionar os professores nem os pais. Descobriu os livros e passou a viver através deles. Era ele o personagem de cada história fantástica que lia, aventuras que jamais teria coragem de experimentar.
Não avançava a velocidade máxima permitida, não saía com os raros amigos e não era bom com as garotas. Sob a desculpa de compromissos inventados e prioridades fajutas, passava seus dias em solitária contemplação.

Você poderia argumentar que estou sendo dura demais em minha descrição. Que o pobre rapaz é dotado de paciência, serenidade e bons modos. Não se engane. Era um ressentido. Revidava cada um dos insultos com impropérios impronunciáveis em sua cabeça. Desenvolvia incríveis diálogos imaginados nos quais respondia com precisão cronológica as acusações sofridas. Resmungava secretamente e se imaginava tomando atitudes radicais, sendo ele a colocar os pontos finais. Seguia numa meia-vida. A máscara de passividade era um eficiente disfarce para esconder sua desesperada necessidade: coragem.


24.6.11

Meu pé, meu querido pé.

Eu tenho um péssimo hábito ( na verdade eu tenho alguns, mas qual é, não vou entregar todos eles assim!). Anos de repreensões, machucados espontâneos, ameaça de contrair verminoses e de lendas sobre crescimento dos pés não me fizeram pará-lo: eu amo andar descalça. Como para a maioria dos hábitos, ninguém tem uma explicação muito boa para mantê-los. Não sei se é por causa do geladinho do chão, de gostar de sentir onde piso ou por me sentir meio presa quando estou de sapatos. Tem a questão de que tenho pés muito sensíveis também. E por sensíveis, entenda pés com frescura. Eu não lembro de um único calçado que não tenha machucado ou feito calo neles. Desde havaianas até all star, passando pelas sapatilhas e rasteiras. Todo calçado parece fazer questão de deixar sua marquinha no companheiros de guerra aqui. Até que tem aquele período de "calejar" e o pessoal se entende. Por pessoal, entenda os pés com frescura e os calçados malvados.

Afinal, eu não posso sair por aí andando descalça.

E aqui chega a questão de que eu queria falar nesse post. Ainda que não goste muito, eu passei por um processo de socialização de tal maneira que internalizei a regra geral de que não se sai de casa sem sapato. Então, obviamente, não saio sem sapato. Nesses dias percebi que não me sinto verdadeiramente em casa enquanto não os tiro. Na minha rotina de todo dia a primeira coisa que faço é ir até meu quarto e removê-los. Meus sapatos são a minha máscara social.

Impressionante o quanto esses artifícios sociais vão se acumulando. O quanto vamos sendo moldados pelo que os outros desejam e esperam de nós. Mesmo quando nem ao menos sabemos o que realmente desejam e esperam. Erick Erickson - celebrado estudioso do desenvolvimento humano - descreve o momento da construção da identidade como esse constante olhar a partir do que o outro pensa de nós, segundo a perspectiva da alteridade.Vamos vivendo esse circo de achismos moldando nosso comportamento com base no que imaginamos que os outros imaginam de nós. Levado à última instância, esse processo pode te levar para tão longe de você que talvez se esqueça de quem é.

Jesus se recusa a ceder à pressão social. Ele frustou de todas as maneiras possíveis as expectativas dos outros. Deliberadamente ele derrubou cada um dos paradigmas mesquinhos e limitados que se faziam sobre ele. E ele só podia fazer isso porque tinha muita clareza de quem Ele era. Filho de Deus. Messias. Emanuel.

Não alheio à nossa preocupação, ele ensina aos discípulos um princípio importante: lavem os pés. O resquício do dia, a sujeira que se acumula no caminho, a poeira que adere à pele. Lavem os pés. Não dá para evitar sujar os pés, eles estão perto demais do chão. Mas é possível lavá-los. É possível deixar para lá o que se acumula durante o dia: as expectativas dos outros, os modelos do mundo, a pressão social. Que delícia permitir que o próprio Jesus faça isso por você. Que gloriosa sensação sentir a liberdade e o perdão escorrendo pelos dedos.

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Depois que lhes lavou os pés, e tomou as suas vestes, e se assentou outra vez à mesa, disse-lhes: Entendeis o que vos tenho feito?

Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou.

Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros.

Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também. João 13: 12-15

17.2.11

.Energia.

Na primeira semana na casa nova um incidente supimpa me aconteceu. Foi quando despretensiosamente eu fui ligar a tv( não, eu não tinha internet naquele tempo). Apertei o botão, e depois de um pipoco estrondoso, a próxima coisa que vi (ou não vi, na verdade) foi a casa todo num completo breu. Isso mesmo. Parece aquelas coisas de desenho animado. Eu passei um tempão repetindo "mas eu só apertei o botão!" enquanto todo mundo entre reclamações ia descobrir o motivo do apagão. Encontrado o quadro de distribuição, a energia foi religada e tudo voltou ao normal. Bom, não a tv, essa se perdeu pra sempre.
Mas aquele não foi um episódio isolado, mais tarde a gente descobriu que sempre que haviam aparelhos demais ligados na eletricidade, ocorria uma sobrecarga na rede e o disjuntor disparava, evitando algum curto-circuito (que percebam, não foi muito eficiente com a televisão). Não vou nem contar quantas vezes a gente teve que ir religar o quadro de energia, que sempre caia à noite, quando já tava todo mundo se preparando pra dormir. O agravante é que o quadro ficava do lado de fora da casa, depois de uma porta, três cadeados e dois portões de ferro. Imagina a alegria de ter que ir lá, tarde da noite, no escuro. Ê maravilha!

Mas eu não tô contando essa história toda em vão. Apesar do incômodo, o sistema de energia da nossa antiga casa tem um princípio de funcionamento muito interessante. É um mecanismo parecido com o que faz alguém com hipoglicemia desmaiar depois de muito tempo sem comer. Na ausência de glicose ou oxigênio suficiente pra alimentar os neurônios, o cérebro desliga. A pessoa desmaia para evitar danos cerebrais ou alguma coisa assim. É um mecanismo de minimização dos estragos. É segurança, afinal.

A verdade é que eu também tenho o meu próprio mecanismo contra curto-circuito. Que eu sou uma pessoa defensiva isso não é novidade e tal. Mas a mais recente epifania foi perceber que sempre que eu me deparo com alguma coisa grande demais eu desligo. Eu me dei conta de que sempre que um problema me abala muito profundamente eu simplesmente não penso nele. É automático, minha mente começa a divagar e viajar pra que eu não me foque nele. Se você me vir falando preocupada com alguma coisa, está tudo bem, eu estou falando sobre, não é tão grave assim.

Então eu percebi de que isso não é apenas uma excentricidade minha, mas é algo bem comum de se encontrar. Fazemos isso o tempo todo. A gente pode criar os mais espetaculares objetos de aumento, microscópios e telescópios, mas passar a vida toda evitando aquilo que é muito grande. É demais pro meu processamento. É além da minha capacidade. Over capacity, twiteiros. Então a gente segue evitando, deixando pra depois, procrastinando. A gente pode passar a vida toda sem fazer as mais importantes perguntas. Sem se deter no que é essencial.

Falando sobre o essencial e sobre o grande, eu penso em Deus. Ele é sem dúvida a maior coisa da qual já ouvi falar. Maior do que o universo e suas tendências infinitas. Maior do que a minha mais infinita imaginação. Deus é grande, você já ouviu dizer, mas você é capaz de entender isso? As proporções de Deus já ocuparam seus pensamentos? Talvez você costume- como eu certamente muitas vezes o fiz-colocar essas questões no stand by, no campo do "eu penso sobre isso depois". O problema é que ao contrário dEle, a gente é bem pequeno. O nosso "depois" não é tão certo assim.
Mas, ao contrário do mecanismo que costumo usar de deixar de fora a energia pra não sobrecarregar, o processo com Ele é diferente. Deus não quer diminuir a intensidade da corrente pra caber em mim, ele está aumentando minha capacidade de captação e condução. O eterno e infinito Deus se fez pequeno pra que pudesse me fazer grande nEle. Ele se fez homem, mortal, pra me fazer eterna. Se Ele é grande demais, está me fazendo crescer pra que possamos caminhar juntos.
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"Todavia, como está escrito: "Olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam";mas Deus o revelou a nós por meio do Espírito. O Espírito sonda todas as coisas, até mesmo as coisas mais profundas de Deus.Pois, quem dentre os homens conhece as coisas do homem, a não ser o espírito do homem que nele está? Da mesma forma, ninguém conhece as coisas de Deus, a não ser o Espírito de Deus.Nós, porém, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito procedente de Deus, para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamente." 1Co 2:9-12


12.1.11

.BFF.

No salão de festa abarrotado, convidados se distribuiam entre bebidas e sorrisinhos abafados. No canto do decorado ambiente, dois distintos cavalheiros conversam:

-Sujeito interessante o Antônio, não?
- Oh, com certeza.
- Quantos anos mesmo ele tá fazendo?
-43. Não tem quem diga, né?
-É verdade, bem conservado ele.
-Também, tendo a vida que leva. Sabe onde ele passou as férias no último verão? Na Grécia. É, rapaz.. em grande estilo!
Ouvi dizer que ele reservou o andar inteiro do hotel só pra ficar à vontade com a família e convidados. Eu até ia também, mas uma das crianças adoeçou de última hora, não pudemos ir.
-Ah, então vocês são bem próximos? Não conta pra ninguém cara, mas não fui convidado..
-Relaxa, numa festra grande dessas ninguém vai perceber. Festão que é festão tem que ter penetra, não é mesmo?Mas sim, Toinho e eu somos unha e carne, rapaz!
- Então que você me diz sobre ele?
- Ah ele é um cara reservado, mas também muito ambicioso, do tipo que não mede esforços pra consguir o que quer, tá me entendendo?
- Como assim?
- Ele precisou passar a perna em muita gente pra chegar onde chegou..
- Isso não te incomoda?
-Ah é assim mesmo, ué. É a lei do mais forte..
- E ele é um dos grandes..
- É sim, não é de dar trela pra qualquer um.. você não vê o Antônio perdendo tempo com gente insignificante.

Nesse momento a conversa é interrompida pelo alvoroço em torno dos parabéns. Um bolo confeitado é trazido ao centro do salão e um pequeno coro de pessoas começa a exigir a presença do aniversariante.

- Você vai precisar me desculpar, mas estão me chamando. De qualquer maneira, foi um prazer conhecê-lo. Espero ainda conseguir desfazer essas idéias que tem sobre mim.

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Seria engraçado, mas eu não estou rindo. É uma coisa triste ver alguém falar com propriedade sobre outro ou em nome de outro sem ter intimidade compatível. Veja bem, uma fã pode até saber a cor da escova de dente do ídolo, saber o signo, as histórias da infância, mas isso não quer dizer que ela realmente o conheça.



"Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer" João 15:15

"A intimidade do Senhor é para aqueles que o temem, aos quais lhes dará conhecer a sua aliança." Salmos 25:14