20.2.10

.Débora.

Mesmo depois das coisas incríveis que vimos cheias de histórias e tesouros secretos, a melhor surpresa ainda estava por vir. Não era um museu ou castelo antigo- em certas circunstâncias talvez pudesse ser chamada assim também- mas, era uma pessoa. Seus olhinhos apertados enquanto sorria e a vasta cabeleira branca deveriam tê-la denunciado, mas na hora nem imaginei que tipo de pessoa era ela. Eu era uma figurante, um arroz, sabe? Estava ali só acompanhando o grande encontro da minha avó com sua amiga que não via há muitos anos. Estava empregando a minha estratégia de falar só o necessário e sorrir simpaticamente enquanto observava quieta no meu lugar. Foi então que eu percebi. Sua casa com ares de refúgio, os porta-retratos espalhados pelos móveis, a família que ela exibia com orgulho. Mas foi quando olhei em seus olhos que vi. Aquele brilho misterioso de quem já viveu tantas coisas, as palavras ponderadas de quem encontrou a sabedoria, a paixão com que fala de sua fé.
Quando perguntada como se conservava tão ativa no auge de seus 85 anos, ela sorriu. São 85 anos de "juventude acumulada". Quando ela ergueu sua voz e a fez reverberar por toda a sala, não pude duvidar da canção que entoava : "Eu vejo Deus em toda parte sim, até dentro de mim, em todos os órgãos meus. Eu vejo Deus na imensidão do mar, aonde quer que eu vá, eu vejo Deus." Então, eu também pude ver. Nas doces despedidas nada mais puder dizer do que: obrigada.

1.2.10

.Travessia.

Com as passagens compradas, mala meticulosamente arrumada e relógio acertado, ela trazia aquela inigualável ansiedade pré-viagem. Você conhece a sensação. Aquele friozinho na barriga, aquela demora para as horas finalmente passarem... A mesma ansiedade de um garotinho que conta os dias até o esperado aniversário, ou de um funcionário que espera as férias. O fato é que ela estava ali, prestes a realizar seu grande sonho. Repassava pela milésima vez a lista de coisas a fazer antes de partir. As listas mentais que fazia só eram interrompidas pelas fantásticas imagens de seu destino. Tudo era tão lindo, cartões-postais não faziam justiça a beleza do lugar. Ela imaginava como seria conhecer todos aqueles lugares, visitar tudo aquilo de que apenas tinha ouvido falar- ficava cada vez mais animada e mal era capaz de se conter.
Anos mais tarde, quando perguntada como conseguiu suportar tanto tempo para finalmente chegar ao lugar dos seus sonhos, se os 40 anos esperando foram miseráveis como se supunha, ela respondeu:
"Oh, claro que não! A viagem se torna mais fácil quando você tem em vista o destino a que se dirige. Além do mais, a viagem me preparou para o que eu iria encontrar, desfrutei de paisagens incríveis pelo caminho, conheci companheiros de jornada e outros se juntaram a nós. Tudo isso só me fez ficar ainda mais maravilhada quando finalmente cheguei!"