3.12.13

.Relicário.


Sua figura no horizonte era cansada, em cada passo parecia haver um esforço absurdo para continuar. O sol a pino, a areia fofa, o ar parado.
Mais poeira do que pele.
Mais flagelo do que roupa.
Mais corpo do que gente.
Contudo, ainda assim, era você. Mesmo por trás de toda aquela neblina que lhe cercava, reconheci o seu andar. Mesmo por trás das recém adquiridas rugas, reconheci seus olhos. E eles eram os mesmos, o mesmo calor e a mesma intensidade estava lá. O reconheceria entre milhares e milhares, reconheceria até que se passassem cem anos.
Então, corri. Corri com todas as forças que tinha, corri todas as batidas do meu acelerado coração. Quando toda a distância, e o tempo e o espaço desapareceu entre nós, você sussurrou com o resto de fôlego que tinha: vencemos.

17.11.13

.Vai.

Seguíamos caminhando em silêncio.

Ele, em um silêncio conhecedor. Já eu estava somente evitando que algum dos meus corriqueiros comentários idiotas estragasse a solenidade do momento.

Continuamos.

Eu apenas o seguia, não fazia ideia para onde íamos, mas ele parecia saber. Ele sempre sabe e isso era suficiente para me tranquilizar.  

Então, paramos. Sentamos. Ele começou a falar.

Terror, vergonha, assombro, dor, culpa, arrependimento, esperança, cura, alegria. Suas palavras trouxeram as mais profundas emoções que já senti. Suas palavras provocaram as mais poderosas revoluções que conheci. Suas palavras me desmascararam e me ergueram.
Suas palavras. De vida. Dele mesmo.

Essa tem sido a minha caminhada mais impressionante e, veja só, ela mal começou.


E disseram um para o outro: Porventura não ardia em nós o nosso coração quando, pelo caminho, nos falava, e quando nos abria as Escrituras? Lucas 24:32



29.10.13

Feridas são terrivelmente impressionantes quando você vê a dilaceração dos tecidos, o sangue coagulado, a violação da integridade.
O horror da dor nos ilude com o seu poder.
Pensamos: poderosa é a destruição.
Mas quão mais impressionante e poderosa é a cura que trabalha silenciosamente, reagrupando células, restaurando a pele e recuperando tudo sem que hajam marcas?
Tão, tão fascinante!
Ser curado me coloca numa categoria acima dos vencedores. E isso é assim, porque conheci a dor. 

21.10.13

E se eu pudesse te tocar com as minhas palavras?
E se eu pudesse correr os dedos pelo contorno do seu rosto em reconhecimento?
Se eu pudesse extirpar todo pedaço de dor no seu peito, se eu pudesse te acalentar.
Se eu pudesse injetar toda a alegria e esperança que lhes são devidas em seu coração.
Se eu pudesse e você me ouvisse.
Se ambos entendêssemos.
Então, todo o tempo, distância e espaço se reduziriam a nada.
Então, já não seriam só minhas palavras, seria eu.
(Mas então, é tarde. O tempo passou. Ele sempre passa.)
No entanto, já não importa que seja eu, importa que seja você.
A sorrir todos os risos, a abraçar todos os abraços, a amar todo o amor.
Importa que, sobretudo, o final seja feliz.

23.8.13

Era uma vez

Enquanto eu tenho você, minha adorável menininha, embrulhada em meus braços em suas tão recentes horas de vida, quero lhe contar uma história. Porque sim, essa é uma das incumbências mais legais das tias: elas contam histórias. E eu tenho a imensa honra de lhe contar a primeira delas.

Nossa história começa com duas grandes mulheres. Além de amigas próximas, elas também eram primas. Uma delas experimentou uma coisa que chamamos de  milagre. Milagres são quando coisas simplesmente extraordinárias acontecem. Durante muito tempo ela sonhou com um bebezinho que fosse seu. Muito tempo se passou e esse sonho nunca se tornou realidade. Passou-se tanto tempo que já não parecia ser possível que ela viesse a ter seu tão sonhado filho. Você ainda não sabe disso, mas as pessoas têm esse hábito de desistir e colocar a culpa no tempo. Mas aí é que está, minha pequena, esses momentos em que as coisas já não parecem possíveis são especiais. Sabe por quê?

Porque para Deus nada é impossível. Lucas 1:37

Então aquilo que parecia impossível aconteceu e ela finalmente engravidou. Certo dia, enquanto ela carregava esse bebezinho especial em sua barriga,  aquela sua prima - que também esperava seu próprio bebê -  veio visitá-la. E aquele bebezinho, ao ouvir sua tia dizendo "Olá" se alegrou. Ele se alegrou tanto que se remexeu e se remexeu e sua mãe soube que ele estava feliz. (Você também se remexia na barriga da sua mãe, mas então, era a minha vez de ficar deslumbrada e feliz.)
Acontece que ela se encheu do Espírito Santo. O Espírito Santo é uma das pessoas mais incríveis que você vai conhecer, na verdade, Ele já te conhece.
Aqueles dois menininhos, que estavam nas barrigas de suas mães, eles viriam mudar o mundo!
O garotinho que gostava de se remexer, cresceu e se tornou um dos homens mais dignos que essa terra já conheceu. Na verdade, ele foi o maior de todos. O outro bebezinho, ahh Mabel! o outro bebezinho não era como os outros. Ele era Aquele sobre qual todas as outras histórias apontavam. Ele era Aquele que iria mudar tudo permanentemente. Você O conhecerá. E eu lhe contarei todas as outras histórias das coisas extraordinárias que Ele fez e continua fazendo.

Eu lembrei dessa história e soube que eu teria que contá-la enquanto você se remexia alegremente na barriga da sua mãe. Assim como aquelas duas primas, você recebeu uma herança que não é nada menos do que gloriosa: você foi destinada a viver o extraordinário. Você, minha linda sobrinha, é extraordinária. Então eu olho para você e eu vejo o grande milagre que você é. Meu coração se aquece e meus olhos não retém as lágrimas. Eu te amo. Já era assim antes de você nascer.

Ah! Os nomes dessas duas mulheres? Uma se chamava Maria, a outra, Isabel.

27.7.13

Antes do final

Uma das coisas mais certas da vida é que o fim vai chegar. Sabemos que ele virá. Como o enunciado de uma lei irrefutável : tudo que começa, acaba. Mesmo assim, diante dessa constatação racional e lógica, nós não estamos preparados para ele. O final chega e é como uma rasteira inesperada. Estamos ali, surpreendidos, apanhados, imobilizados. O final assusta. Assusta porque nos faz pensar sobre o começo e o meio, pesar se valeu a pena toda energia desprendida nesses, questionar se valeu a pena ao menos começar. Assusta porque não sabemos o que vem depois. Assusta porque nos lembra da brevidade. Assusta porque é o que é, numa determinação absoluta: o fim. Diante dele restam o vazio, a memória, a saudade. As projeções do que um dia foi, mas não é mais.


Pare um momento comigo e pense. Se ele é tão certo, porque o evitamos? Se é tão logicamente coerente, porque continuamos nos surpreendendo diante dele? Não seria nossa negação um desejo de que o fim seja extinto? Um anseio de que venha o para sempre? Assim como minha fome é evidência de que existe algo que a satisfaz, que nesse caso é o alimento,  meu desejo pela eternidade sinaliza algo para mim. E se eu o desejo, é porque tem alguma coisa que o satisfaça. Mesmo que eu não entenda, mesmo que eu não conheça.

Então os finais- ah, os finais!- eles se tornam uma descoberta impressionante: eles são novos começos.

Ele fez tudo apropriado a seu tempo. Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade; mesmo assim este não consegue compreender inteiramente o que Deus fez.
Eclesiastes 3:11