20.9.11

. We don't need another hero.

Sofria de covardia crônica. Um mal severo que o acometia desde a infância. Nunca rebateu um insulto, não revidava os tapas dos colegas e não lutava pelas figurinhas roubadas. Chegou a passar três horas de castigo por um delito que não cometeu, sem abrir a boca. Sua maior expressão de indignação foi arrumar as malas e fugir - para a sala!

Cresceu e os sintomas junto com ele. Fingia não ouvir as gozações na escola. Tornou-se um aluno dedicado porque não tinha coragem de tirar notas baixas. Não queria decepcionar os professores nem os pais. Descobriu os livros e passou a viver através deles. Era ele o personagem de cada história fantástica que lia, aventuras que jamais teria coragem de experimentar.
Não avançava a velocidade máxima permitida, não saía com os raros amigos e não era bom com as garotas. Sob a desculpa de compromissos inventados e prioridades fajutas, passava seus dias em solitária contemplação.

Você poderia argumentar que estou sendo dura demais em minha descrição. Que o pobre rapaz é dotado de paciência, serenidade e bons modos. Não se engane. Era um ressentido. Revidava cada um dos insultos com impropérios impronunciáveis em sua cabeça. Desenvolvia incríveis diálogos imaginados nos quais respondia com precisão cronológica as acusações sofridas. Resmungava secretamente e se imaginava tomando atitudes radicais, sendo ele a colocar os pontos finais. Seguia numa meia-vida. A máscara de passividade era um eficiente disfarce para esconder sua desesperada necessidade: coragem.


2 comentários:

Mima disse...

Vc descreveu meu irmão.

Esses últimos textos são diferentes da maioria dos teus textos (pelo menos dos que li), contudo, não diferem em qualidade!

(Repito: vc é das poucas blogueiras que eu digo - ESCREVA UM LIVRO!)

Angélica Paula disse...

Rafaele, você está tão Austen. Nossa. fazia um tempinho que não passava por aqui, mas... Nossa! Pense num dom... :D