5.3.14

. Sobre cafés e leites.

Se havia uma coisa que me frustrava profundamente quando criança era ser considerada “café com leite”. Para quem não sabe, café com leite é uma expressão popular para concorrente fraco, pouco hábil e que requer um desconto nas exigências do jogo para poder participar. Caçula de três irmãs e com primos de idades próximas, eu conheci muito bem a situação. Você pode até argumentar que ser café com leite não é nada de assim tão grave, que, afinal, eu recebia privilégios por ser a mais nova. Mas o problema do café com leite é que não importa o quanto você se esforçou, quão duro você jogou ou quão rigidamente você seguiu as regras: se você ganhar, o mérito nunca é seu.

Esse é o cerne do incômodo. Somos competitivos e estamos inseridos numa cultura que valoriza o sucesso como um deus. Estamos obcecados pelo desempenho. Ser “empreendedor”, “proativo”, “ousado” são apenas alguns dos jargões que circulam na conversas sobre o que é preciso para obter sucesso. Queremos vencer e, mais ainda, queremos o mérito por isso.

O que torna o cristianismo tão absurdo - loucura, como diria o apóstolo Paulo - é que a salvação é radical e impreterivelmente dependente da graça. Enquanto o islâmico reza em direção à Meca, o judeu guarda as tradições da Torá, o budista medita e faz boas obras, não há nada que o cristão possa fazer para salvar a si mesmo. Não há desempenho bom o suficiente que o faça conquistar a salvação. Nenhum número de rezas, nenhum cumprimento de rituais, nenhuma lista de obras de caridade. Porque toda a obra necessária para a salvação do cristão já foi consumada pelo único que é bom o suficiente para fazê-la. É a loucura do filho de Deus pendurado num madeiro que trouxe a salvação aos que crêem.

Quando essa verdade radical entra em conflito com o coração humano, uma das primeiras coisas necessárias para reconhecê-la é romper com o desejo de mérito. Não há espaço para o meu orgulho infantil quando eu reconheço a minha total incapacidade de ganhar. As exigências do jogo são altas demais e minha capacidade é impossivelmente pequena. Nem que houvessem todos os descontos, nem que todas as regras fossem amenizadas, não há maneira possível para que eu pudesse ganhar. A única maneira de vencer é reconhecer minha própria derrota e deixa-Lo vencer por mim. Quando olho para cruz de Cristo é que pela primeira vez eu entendo o que significa perder para ganhar. Nos resta tão somente reconhecer nossa pequenez e fragilidade diante dEle, para finalmente sermos revestidos de sua grandeza. Estou abraçando minha condição de café com leite: meu irmão maior venceu por mim.


Um comentário:

Anônimo disse...

Café com leite FTW!