Se havia uma coisa que me frustrava profundamente quando
criança era ser considerada “café com leite”. Para quem não sabe, café com
leite é uma expressão popular para concorrente fraco, pouco hábil e que requer
um desconto nas exigências do jogo para poder participar. Caçula de três irmãs
e com primos de idades próximas, eu conheci muito bem a situação. Você pode até
argumentar que ser café com leite não é nada de assim tão grave, que, afinal,
eu recebia privilégios por ser a mais nova. Mas o problema do café com leite é
que não importa o quanto você se esforçou, quão duro você jogou ou quão
rigidamente você seguiu as regras: se você ganhar, o mérito nunca é seu.
Esse é o cerne do incômodo. Somos competitivos e estamos inseridos
numa cultura que valoriza o sucesso como um deus. Estamos obcecados pelo
desempenho. Ser “empreendedor”, “proativo”, “ousado” são apenas alguns dos
jargões que circulam na conversas sobre o que é preciso para obter sucesso.
Queremos vencer e, mais ainda, queremos o mérito por isso.
O que torna o cristianismo tão absurdo - loucura, como
diria o apóstolo Paulo - é que a salvação é radical e impreterivelmente
dependente da graça. Enquanto o islâmico reza em direção à Meca, o judeu guarda
as tradições da Torá, o budista medita e faz boas obras, não há nada que o
cristão possa fazer para salvar a si mesmo. Não há desempenho bom o suficiente
que o faça conquistar a salvação. Nenhum número de rezas, nenhum cumprimento de
rituais, nenhuma lista de obras de caridade. Porque toda a obra necessária para
a salvação do cristão já foi consumada pelo único que é bom o suficiente para
fazê-la. É a loucura do filho de Deus pendurado num madeiro que trouxe a
salvação aos que crêem.
Quando essa verdade radical entra em conflito com o
coração humano, uma das primeiras coisas necessárias para reconhecê-la
é romper com o desejo de mérito. Não há espaço para o meu orgulho
infantil quando eu reconheço a minha total incapacidade de ganhar. As
exigências do jogo são altas demais e minha capacidade é impossivelmente
pequena. Nem que houvessem todos os descontos, nem que todas as regras fossem
amenizadas, não há maneira possível para que eu pudesse ganhar. A única maneira
de vencer é reconhecer minha própria derrota e deixa-Lo vencer por mim. Quando
olho para cruz de Cristo é que pela primeira vez eu entendo o que significa
perder para ganhar. Nos resta tão somente reconhecer nossa pequenez e
fragilidade diante dEle, para finalmente sermos revestidos de sua grandeza.
Estou abraçando minha condição de café com leite: meu irmão maior venceu por
mim.
Um comentário:
Café com leite FTW!
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