24.6.11

Meu pé, meu querido pé.

Eu tenho um péssimo hábito ( na verdade eu tenho alguns, mas qual é, não vou entregar todos eles assim!). Anos de repreensões, machucados espontâneos, ameaça de contrair verminoses e de lendas sobre crescimento dos pés não me fizeram pará-lo: eu amo andar descalça. Como para a maioria dos hábitos, ninguém tem uma explicação muito boa para mantê-los. Não sei se é por causa do geladinho do chão, de gostar de sentir onde piso ou por me sentir meio presa quando estou de sapatos. Tem a questão de que tenho pés muito sensíveis também. E por sensíveis, entenda pés com frescura. Eu não lembro de um único calçado que não tenha machucado ou feito calo neles. Desde havaianas até all star, passando pelas sapatilhas e rasteiras. Todo calçado parece fazer questão de deixar sua marquinha no companheiros de guerra aqui. Até que tem aquele período de "calejar" e o pessoal se entende. Por pessoal, entenda os pés com frescura e os calçados malvados.

Afinal, eu não posso sair por aí andando descalça.

E aqui chega a questão de que eu queria falar nesse post. Ainda que não goste muito, eu passei por um processo de socialização de tal maneira que internalizei a regra geral de que não se sai de casa sem sapato. Então, obviamente, não saio sem sapato. Nesses dias percebi que não me sinto verdadeiramente em casa enquanto não os tiro. Na minha rotina de todo dia a primeira coisa que faço é ir até meu quarto e removê-los. Meus sapatos são a minha máscara social.

Impressionante o quanto esses artifícios sociais vão se acumulando. O quanto vamos sendo moldados pelo que os outros desejam e esperam de nós. Mesmo quando nem ao menos sabemos o que realmente desejam e esperam. Erick Erickson - celebrado estudioso do desenvolvimento humano - descreve o momento da construção da identidade como esse constante olhar a partir do que o outro pensa de nós, segundo a perspectiva da alteridade.Vamos vivendo esse circo de achismos moldando nosso comportamento com base no que imaginamos que os outros imaginam de nós. Levado à última instância, esse processo pode te levar para tão longe de você que talvez se esqueça de quem é.

Jesus se recusa a ceder à pressão social. Ele frustou de todas as maneiras possíveis as expectativas dos outros. Deliberadamente ele derrubou cada um dos paradigmas mesquinhos e limitados que se faziam sobre ele. E ele só podia fazer isso porque tinha muita clareza de quem Ele era. Filho de Deus. Messias. Emanuel.

Não alheio à nossa preocupação, ele ensina aos discípulos um princípio importante: lavem os pés. O resquício do dia, a sujeira que se acumula no caminho, a poeira que adere à pele. Lavem os pés. Não dá para evitar sujar os pés, eles estão perto demais do chão. Mas é possível lavá-los. É possível deixar para lá o que se acumula durante o dia: as expectativas dos outros, os modelos do mundo, a pressão social. Que delícia permitir que o próprio Jesus faça isso por você. Que gloriosa sensação sentir a liberdade e o perdão escorrendo pelos dedos.

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Depois que lhes lavou os pés, e tomou as suas vestes, e se assentou outra vez à mesa, disse-lhes: Entendeis o que vos tenho feito?

Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou.

Ora, se eu, Senhor e Mestre, vos lavei os pés, vós deveis também lavar os pés uns aos outros.

Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também. João 13: 12-15

Um comentário:

Mima disse...

Estava com saudade dos teus textos, moça! Aaii que bom ter mais um bom texto pra ler. Amo a forma como você escreve. É muito inspiradora, porque você pega algo rotineiro e o torna grande, significativo e espiritual. É um sinal de que tudo, tudo é espiritual quando caminhamos com Deus. Que deixemos os pés aos cuidados de Deus e aprendamos a cuidar dos pés uns dos outros - sem machucá-los ou encaixá-los em nossos sapatos malvados.

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